quinta-feira, 9 de julho de 2020

Octávio Café: o fim de uma era na Faria Lima

Até o começo deste ano, quem almoçava na Trattoria Fasano, no Gero Panini, no Rubaiyat e no bufê gourmet Mangai, entre outros restaurantes de alto padrão em torno da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, tinha um endereço certo para o cafezinho digestivo: o Octávio Café.

Localizado quase na esquina da Faria Lima com a Avenida Cidade Jardim, era parada certa para uma pausa no trabalho e para fugir da pausa do trabalho. No balcão situado em meio ao salão principal ou nas mesinhas em volta acomodavam-se gestores de fundos, advogados e jovens empreendedores, de camisas com monograma ou de coletes North Face, para fechar negócios, encontrar amigos e ser visto pelos concorrentes.

Ontem, os habitués da cafeteria foram surpreendidos por um comunicado nas redes sociais alertando sobre o encerramento da operação local. O motivo, evidente, foi a queda de movimento causada pela propagação do novo coronavírus. “A crise gerada pela pandemia e o cenário incerto de reabertura das unidades foram fatores determinantes para a decisão”, diz o informe.

O Octávio Café era um símbolo do dinamismo da Faria Lima. Inaugurada em 2007, a loja em formato de xícara, com pé direito alto e 1.200 metros quadrados, se orgulhava do título de ser a maior cafeteria do país.

Com luz indireta e um enorme sofá pela lateral do prédio, todo o ambiente era temático, às vezes com resultado duvidoso. Os lustres entre o balcão principal e as mesinhas laterais simulavam leite sendo derramado sobre as xícaras. Por lá circulavam em torno de 12 mil clientes por mês, que tinham à disposição cafés dos mais variados tipos e preços. A começar pela xícara simples de expresso, vendida a 10 reais, recorde de preço em uma região afamada pelo recorde de preços.

Octávio Café, na Faria Lima, em Sâo Paulo: interior frequentado por empresários do “condado”Divulgação/Divulgação

O endereço abriu as portas um ano depois que a Nespresso começou a despejar seus cafés em cápsulas no Brasil, o que revolucionou setor. De uma hora para outra, boa parte dos consumidores passou a questionar os expressos mal tirados que incontáveis padarias e cafeterias ainda cismam em oferecer. Mas o Octavio Café soube responder aos novos parâmetros impostos aos estabelecimentos do gênero.

Em seguida, conseguiu se adequar à era dos cafés especiais, que chacoalhou até a Nespresso. Proprietária desta última, a Nestlé adquiriu, em 2017, o controle da incensada rede de cafeterias Blue Bottle, surgida na Califórnia, cujos grãos elogiados vêm de pequenos produtores. A transação teria saído por US$ 425 milhões.

Hoje em dia, manter uma cafeteria digna do nome e não oferecer métodos variados de extração — os mais populares são os que se valem do filtro japonês Hario V60, da prensa francesa e do aeropress — equivale a ter um bar de cervejas especiais e servir apenas pilsen. Outra regra de ouro é listar no cardápio mais de um blend de grãos, de preferência colhidos em regiões incensadas como o Sul de Minas Gerais — bourbon amarelo, catuaí vermelho e acauã são algumas das variedade de maior sucesso plantadas no Brasil. Tem mais uma recomendação: manter um barista apto a instar a clientela a procurar notas sensoriais de ingredientes como cacau e baunilha e discorrer com propriedade sobre a acidez de cada tipo de café.

No Octavio Café a clientela podia optar entre nove métodos de extração, incluindo o que utiliza a prensa francesa, o coador de pano, a kalita e o Hario V60. Os grãos eram colhidos em fazendas próprias na região de Alta Mogiana, no interior de São Paulo, e davam origem a seis blends. Um é caracterizado pelas notas de caramelo, baunilha e amêndoas, outro chama atenção pelas notas de chocolate amargo e de amêndoas tostadas, e o descafeinado cumpre seu papel. Para provar qualquer um dos três pagava-se 14 reais. O preço para degustar um dos blends dos chamados microlotes: 18 reais. Um deles é o Frutti, com sabores de frutas tropicais e passas. O Dolce, como o nome indica, tem sabor adocicado e corpo cremoso. E o Cioccolato remete a chocolate ao leite e cacau.

A qualidade do que o endereço despejava em suas xícaras era reconhecida. No ano passado, a gaúcha Martha Grill ganhou o título do Campeonato Brasileiro de Barista. Aliás, era a única mulher entre os 20 concorrentes. Com isso ganhou  a oportunidade de representar o Brasil no World Barista Championship, em Boston. Ex-atriz, ela começou a carreira no balcão do Octávio Café, em 2016. Dois anos depois, passou a cuidar do treinamento dos baristas da rede,

O negócio pertence ao grupo Solpanamby, da família Quércia, que também anunciou o fechamento do Octavio Café no Shopping Cidade Jardim — a rede ainda dispõe de duas unidades no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, e uma no Shopping Eldorado, que, a princípio, seguem funcionando. O grupo informou que as vendas dos produtos da marca vão continuar em supermercados e empórios e que em breve sairá do papel uma nova operação de delivery.

A verdade é que as duas unidades fechadas, embora incônicas, representavam só cerca de 15% do faturamento da rede. A da Faria Lima, deficitária, ainda por cima está erguida em um terreno que pertence à família Quércia. “Ela investe principalmente no ramo imobiliário”, disse à EXAME uma pessoa que acompanhou as contas da cafeteria de perto e pediu para não ser identificada. “Provavelmente concluiu-se que vale mais a pena ceder aquela valiosa área para a incorporação do que manter um negócio deficitário”.

Não significa que os grãos deixaram de atrair a atenção do grupo Solpanamby. Ele também é dono da marca de cafés O’Coffee, cujos lucros são obtidos sobretudo com a exportação, e da Don, mais gourmet. Somando tudo o que o grupo fatura com café, as duas unidades da rede Octavio Café não respondiam nem por 2%. Ou a menos de uma gota em uma xícara.

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